A geração que cresceu na era da internet, tendo acesso a mais tecnologia, informação e educação do que todas as anteriores, tornou-se também uma promessa de sucesso.
Millennials e a expectativa que não virou realidade.
Os millennials cresceram em um período promissor, o que fortaleceu a ideia de que aos 30 já estariam profissional e pessoalmente resolvidos e estáveis.
Mas, a realidade foi completamente diferente. Entre os sonhadores e trabalhadores de 25 anos, chegaram aos 35 adultos cansados — mental e fisicamente — muitos já tendo sofrido um burnout e repensando sua carreira, descobrindo novos propósitos e objetivos.
E o que pode parecer uma crise existencial, nada mais é do que o reflexo de questões do nosso tempo.
Onde deveria(mos) estar agora?
Minha reflexão começa neste post certeiro da Obvious:
As afirmações dessa postagem são bastante complexas, eu sei, mas de maneira geral podemos dizer que antigamente importantes etapas da vida chegavam mais cedo: casamento, filhos, trabalho.
Se você é um millennial, provavelmente seus avós casaram por volta dos 15 anos, seus pais antes dos 20 anos. Em um período, pré-internet e tecnologia, em que era mais difícil ter acesso à educação e informação e com menos alternativas de estilo de vida.
O que tornava comum que aos 30, adultos já tivessem sua casa, mais de um filho e um emprego estável no qual, se tudo desse certo, ficariam até a aposentadoria. Porém, com a globalização, a era da informação e a internet o mundo mudou. A sociedade foi se transformando e casar e ter filhos já não era mais o principal objetivo. Surgiram novas possibilidades de trabalho e modos de vida, e muitos passaram a priorizar os estudos, experiências, o trabalho.
Contudo, atualmente muito tem se falado — em reportagens, estudos e pesquisas — sobre como os millennials, hoje na faixa de 30 a 40 anos, são a geração que “deu errado”, a “mais azarada”, a mais frustrada e com mais problemas de saúde mental.
Mas, por quê?
Primeiro, acho que estamos medindo o sucesso dos millennials com balizadores do passado. Uma geração que escolheu — na realidade e privilégios de cada um — priorizar os estudos, conhecer outras culturas, construir uma carreira (ou empreender) precisou, para isso, adiar outras conquistas.
Me parece natural, portanto, que a conquista de casa, carro e filhos, por exemplo, tenha ficado para mais tarde. Os marcadores de sucesso são outros, relacionados a experiências — profissionais e pessoais — e a aprendizagem, através de cursos formais ou vivências culturais, por exemplo.
Movimentos que também ressignificam a necessidade de aquisição de bens mais tradicionais, como casa e carro. Muitos, optam pela segurança de uma reserva financeira e morar de aluguel, andar de carro de aplicativo. São escolhas que puderam ser feitas porque haviam essas alternativas e as pessoas mais informações para ponderar e decidir.
Entretanto, na hora de analisar a realidade millennial, pesquisas e estudos geracionais sempre incluem o comparativo com padrões antigos, destacando como a geração demora mais para conquistar “marcos tradicionais da vida adulta” como comprar uma casa e carro.
Demonstrando que apesar de algumas evoluções, as métricas tradicionais se sobressaem, pois, são a linguagem universal. Afinal, existe outra forma de dizer que uma pessoa é bem sucedida, do que apontar que ela tem casa, carro, emprego e família? Para mim, talvez para você também, sim. Mas, para a sociedade em geral, esse segue sendo a melhor forma.
E apesar de essa ser uma das gerações mais abertas à diversidade, disposta a encarar problemas antigos como desigualdades sociais e de gênero. Ser empreendedora, criativa, adaptativa e resiliente. Ter também mais consciência do impacto dos seus hábitos no planeta, preocupada e engajada com questões de impacto global. Seu sucesso ainda é medido por meio do seu poder de consumo — afinal, mundo capitalista.
O que não significa que essa geração não esteja enfrentando problemas. Os dados sobre o quanto millennials sofrem de ansiedade e chegaram mais cedo a um burnout, por depositarem todas as fichas da realização pessoal no trabalho, são reais.
Por isso, trago um segundo ponto: precisamos considerar as expectativas versus a realidade enfrentada pelos Millennials. As diferenças entre gerações existem, por conta da mudança de contexto de uma pra outra.
Conforme explica o pesquisador de tendências Luiz Arruda, no podcast Bom dia Obvious: “cada geração é filha do seu tempo”, sofrendo influência do contexto social, cultural, econômico, político, conjunto de valores e moral do seu tempo.
Quando os millennials chegaram, na década de 90 e 00, vivíamos no Brasil um período de esperança, com a redemocratização e a estabilidade econômica com o Real. A promessa era de mais trabalho e acesso a oportunidades, principalmente com a chegada da internet e a criação de importantes programas governamentais de incentivo à educação (como Fies, Prouni, Ciências Sem Fronteiras, cotas raciais, entre outros).
“Seus pais lhes disseram que seriam bem-sucedidos, eles tiveram amplo acesso à educação, em comparação com gerações anteriores, e havia um grande senso de conexão e de causar impacto", explica Jason Dorsey, pesquisador de perfis millennials, à BBC News Brasil.
E, apesar da calça de cintura baixa e a onda emo, os millennials cresceram podendo planejar o futuro e acreditar na realização de sonhos. Muitos — nos privilégios da sua realidade — sentiam poder conseguir alcançar seus objetivos, o momento era propício, havia mais oportunidades, era preciso “apenas” agarrá-las.
Expectativas altas foram criadas e quem pôde, entrou de cabeça nos estudos e no trabalho, na linha “trabalhe enquanto eles dormem”. Acreditando que assim, logo teriam uma carreira, estabilidade financeira e poderiam aproveitar a vida antes da aposentadoria.
Contudo, quem hoje está na faixa dos 30 – 40 anos sabe que a maioria desses sonhos ficaram para trás, ou continuam em processo de serem conquistados. E o que chegou, mais cedo do que se esperava, foram problemas de saúde mental, como burnout e crise de ansiedade, por tamanha dedicação ao trabalho.
A economia melhorou, mas depois piorou. O real chegou estabilizando a moeda e vivemos, sim, ondas de progresso, com mais oportunidades de emprego, acesso à cultura e educação. Mas, essa onda passou, veio a crise, não só econômica, mas também política. Tudo ficou instável, vivemos uma pandemia, o custo de vida aumentou, os salários estagnaram, a possibilidade de aposentadoria evaporou. Voltamos ao mapa da fome, vimos os índices de desmatamento aumentar e a crise climática piorar — só pra citar alguns fatores.
A internet trouxe, sim, algum avanço, mas não para todos. Ainda em 2023, século XXI, nem todos os brasileiros têm acesso à internet em livre demanda. E para quem pode estar conectado, conheceu também as fake news, influencers e coachs.
Na carreira, mesmo que formados e exercendo uma profissão, houve uma onda de questionamento sobre propósito e identificação. Reconhecendo que ter depositado no trabalho a principal fonte de realização e felicidade foi um erro e trouxe consequências.
O que complicou com a plataformização e pejotização do trabalho, que surgiram como alternativas mais flexíveis e autônomas, mas também trouxeram instabilidade, insegurança e jornadas mais longas. Situação que Jason Dorsey, explica em comparação a geração anterior:
“Nossas pesquisas mostram que eles não tinham expectativa de trabalhar em uma só empresa a vida toda, nem de ter o mesmo empregador para o resto da vida. (…) Então há uma sensação de empolgação e liberdade, a ideia de que 'posso criar minha própria carreira', mas, ao mesmo tempo, há a desvantagem: os empregadores podem não oferecer os mesmos benefícios de antes em seguridade, plano de saúde, etc. A responsabilidade disso acaba passando do empregador para o millennial. Em alguns casos isso funcionou bem; em outros, não”. Jason Dorsey, em entrevista à BBC News Brasil.
Portanto, o fato das expectativas estarem difíceis, e talvez ainda distantes de se tornarem realidade, não é exclusivamente uma questão individual. Mas, consequência de um contexto econômico e socialmente desafiador enfrentado por essa geração.
Mais realidade, menos expectativa
Talvez, no meio disso tudo, o desafio seja exercitar atitudes mais generosas consigo mesmo, reconhecendo e celebrando pequenas conquistas. Definindo para si novos balizadores de sucesso, como saber aproveitar o processo, valorizar os aprendizados e encontros do caminho.
Se é como dizem, os 30 são os novos 20 e ainda há muito tempo pra realizar, sem a pressão de estar atrasado e compreendendo que nem tudo está no nosso controle. Como propõe essa reflexão da Marcela Ceribelli, no livro Aurora, o despertar da mulher exausta.
“… acredito que quanto mais rigidamente lidamos com a vida, menos felizes vamos ser. Cada dia eu tenho mais certeza de que nosso ideal de futuro nos impede de ter uma vida minimamente plena. Por mais que o planejamento seja importante, precisamos deixar espaço para a impermanência”.
Millennials e a expectativa que não virou realidade
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Referências dessa news:
Livro: Aurora, o despertar da mulher exausta, de Marcela Ceribelli, editora Intrínseca.
Podcast Bom dia, Obvious, episódio: Millennials em fúria, com Luiz Arruda.
Instagram Obvious.
Matéria: O que deu errado com os millennials, geração que foi de ambiciosa a 'azarada'.
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